Acumulação perigosa

Transtorno expõe o indivíduo a riscos psicológicos e físicos que ele mesmo tem dificuldade de perceber

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Guardar objetos e ter animais de estimação são situações normais até que o acúmulo desordenado de coisas e animais comece a afetar o cotidiano, podendo, se for exagerado, passar a ser classificado como um transtorno. Quem nunca ouviu falar dos acumuladores compulsivos?

A acumulação compulsiva também é conhecida como disposofobia. O acumulador desorganiza o ambiente, ocupando excessivamente as áreas da casa ou do trabalho – por vezes com aquela velha desculpa de que poderá eventualmente precisar de algum dos objetos que mantém e outras sem qualquer desculpa plausível. Para quem olha de fora é algo mórbido, mas a própria pessoa parece que não tem noção do que faz ou, se tem, fica menos incomodada por isso do que pela possibilidade de descartar algo.

Segundo a psicóloga Thaiana Brotto, de São Paulo, o transtorno de acumulação compulsiva, “além de causar riscos à saúde, pode levar à deterioração dos relacionamentos interpessoais, do desempenho profissional e da saúde mental. Você já deve ter ouvido alguém relacionar a organização do ambiente à boa saúde da mente e, até certo ponto, isso é verdade, pois a desordem dos ambientes e de objetos importantes, como documentos e chaves do carro e da casa, pode elevar a ansiedade no dia a dia”.

Thaiana explica que o indivíduo guarda papéis, peças de aparelhos eletrônicos, roupas, caixas, itens de decoração, brinquedos, livros, contas, móveis, utensílios de cozinha, ferramentas e também objetos que já serviram aos seus propósitos, como jornais antigos ou recipientes de delivery de alimentos, porque não consegue se desfazer deles.

No entanto a acumulação não se resume só a coisas. “Em alguns casos, o acumulador pode até adotar muitos animais de estimação, como gatos ou pássaros, sem que tenha condições de cuidar deles”, afirma Thaiana, que esclarece outro ponto: “diferentemente dos colecionadores, que possuem apreço pelos objetos e os preservam em bom estado, acumuladores os guardam de maneira desorganizada e até se esquecem da sua existência”.

Das gavetas e armários, os objetos começam a invadir áreas de convívio, como a sala de estar e a cozinha, o que dificulta a mobilidade e facilita o acúmulo de louças sujas, lixo, pelos e fezes de animais, que representam um risco à saúde. Mesmo assim, segundo ela, o acumulador normalmente demonstra resistência quando alguém sugere a limpeza ou a organização.

Causas
Ela cita que as causas da acumulação são variadas “e podem ter relação tanto com outras condições de saúde mental, como depressão e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), quanto com questões emocionais” e dá um exemplo: “pessoas com baixa autoestima e insatisfeitas com as suas vidas podem começar a acumular objetos na tentativa de sentir algum tipo de bem-estar.”

Do mesmo modo, “acumular objetos pode ser uma maneira ineficiente de responder ao estresse. Por exemplo, alguns itens podem se tornar uma fonte de conforto depois da morte de um ente querido ou em um período estressante no trabalho. Estilo de vida solitário, múltiplas experiências negativas ao longo da vida ou durante a infância, contato com parentes acumuladores e ter crescido em um ambiente caótico também contribuem para o desenvolvimento da acumulação compulsiva”, enumera Thaiana.

Tratamento
Segundo ela, é óbvio que um acumulador precisa de ajuda de um profissional da psicologia, mas o tratamento eficiente não consiste em jogar as coisas fora para a pessoa, mas fazê-la enxergar com clareza os efeitos negativos da acumulação e os positivos de começar a descartar algo inútil. Também é muito importante, diz Thaiana, o apoio de parentes e amigos: “uma rede de apoio sólida é necessária para que os acumuladores consigam se manter fortes e superem seus medos”.

Mesmo que o processo seja longo, Thaiana esclarece que o acumulador começa a enxergar as vantagens de ter os ambientes livres para movimentação e uso, além de perceber mais a si mesmo e se cuidar melhor, o que o ajudará a pensar duas vezes antes de guardar algo sem utilidade. Com paciência e tato, é possível fazer alguém acordar para estabelecer prioridades reais na vida.

Sintomas do transtorno de acumulação compulsiva

Necessidade incontrolável de adquirir e guardar objetos, sentindo grande angústia ao precisar se desfazer deles.

Ocultação das coisas acumuladas para não ser forçado a se desfazer delas. Se confrontado, entra em negação e não pensa em mudar seu hábito.

Negligência no caso do acúmulo de animais. O acumulador não consegue cuidar de todos, causando doenças e até a morte deles, mas não percebe isso, pois a mera presença deles é reconfortante.

Isolamento total ou parcial, pois as outras pessoas se afastam ou o acumulador as vê como ameaças ao seu hábito. Ele impede que elas toquem ou peguem os objetos emprestado.

Dificuldade para tomar decisões.

Inação e dificuldade para executar tarefas diárias, como cozinhar, limpar a casa e pagar contas.

Perda gradativa do interesse pelo autocuidado e pela organização da casa.

Resistência para enxergar possíveis perigos, como riscos de incêndio ou surgimento de pragas (baratas, ratos, etc.).

Fonte: Thaiana Brotto, psicóloga

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Redação / Fotos: Getty Images